Ao comentar para o Correio do Estado a solicitação feita pelo procurador-regional Eleitoral Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS) para que seja reconhecida a prática de fraude na distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) realizada pelo Podemos aos candidatos e candidatas do partido nas eleições gerais do ano passado, o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Sandro de Oliveira, lamentou que os partidos ainda tentem “burlar” as candidaturas femininas.
Doutor em Direito Constitucional, o professor Sandro de Oliveira ressaltou que, mesmo com a legislação eleitoral prevendo a cota de gênero desde 1997, passando a obrigatoriedade em 2009, os partidos políticos e suas coligações insistem em criar subterfúgios para enfraquecer a candidatura de mulheres.
“Quando não criam candidaturas de mulheres fictícias, dificultam o repasse de verba necessária para que a candidata consiga administrar sua campanha. O problema não é novo, se renova a cada período eleitoral”, lamentou o doutor em Direito Constitucional.
Ele completou que parte do problema é a predisposição dos parlamentares federais de buscar anistia, findo o processo eleitoral, para aqueles que violaram as normas eleitorais e as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Vale lembrar que este comportamento fere princípios fundamentais constitucionais da cidadania, dignidade da pessoa humana e da igualdade. Também há violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher”, citou Sandro de Oliveira.
Ele se referiu ao artigo 1º, que traz o seguinte: “Para fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação contra a mulher’ significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.
Ainda na mesma Convenção, o art. 7º trata especificamente da participação da mulher na política: “Artigo 7º – Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens o direito a: 1 – votar em todas as eleições e referendos públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas; 2 – participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais; 3 – participar em organizações e associações não governamentais que se ocupem da vida pública e política do país.”
Para o professor da Faculdade de Direito da UFMS, a Convenção não é mero compromisso internacional assumido pelo Brasil, ao contrário, faz parte do sistema jurídico brasileiro, na medida que vigora como se fosse desde 2002, quando foi promulgado pelo Decreto nº 4.377/2002.
“Veja que a participação da mulher na política se dá em termos de igualdade de condições com os homens em todos os níveis. Obviamente, também no acesso aos recursos de campanha. Tenho que somente com ação mais enérgica dos órgãos de controle, inclusive com a perda de mandato, os partidos políticos deixarão de ser androcêntricos, ou seja, com o homem como figura central dentro do partido”, finalizou.
Entenda o caso
O procurador-regional Eleitoral Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves solicitou ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS) que seja reconhecida a prática de fraude na distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) realizada pelo Podemos aos candidatos e candidatas do partido nas eleições gerais do ano passado.
Além disso, pediu que o TRE-MS determine a cassação de todos os votos obtidos pela legenda, resultando, dessa forma, na perda de mandato do único deputado estadual eleito pela sigla no estado, Professor Rinaldo Modesto, bem como considere nulos todos os votos atribuídos ao partido.
Pedro Gonçalves também solicitou que as candidatas a deputadas estaduais, bem como as duas que seriam candidatas a deputadas federais e desistiram, sejam ouvidas pelo TRE-MS. O desembargador Paschoal Carmello Leandro, que é presidente do TRE-MS e relator do pedido, solicitou que os representados, 20 candidatos, e o partido, ofereçam contestação e apresentem testemunhas para produção de provas, inclusive documentais.
Procurado pelo Correio do Estado, o deputado estadual Professor Rinaldo Modesto (Podemos) disse que está tranquilo em relação ao caso. “Até porque os recursos para as candidatas mulheres superaram os 30%. Do ponto de vista técnico e jurídico não tem o que contestar”, afirmou, completando que cogita a hipótese de perder o mandato.
O advogado Douglas de Oliveira Santos, que representa o Podemos e o deputado estadual Professor Rinaldo, esclareceu ao Correio do Estado “que não houve qualquer irregularidade na distribuição do FEFC como afirma a Procuradoria Regional Eleitoral, especialmente porque o cômputo da distribuição do Fundo Eleitoral é realizada nacionalmente, ou por candidaturas gerais, jamais por chapa, situação que será demonstrada no decorrer do processo judicial, que tramita em Segredo de Justiça”.
Ele ainda completou que foram apresentados diversos elementos e documentos que demonstram inexistir irregularidades capazes de justificar a procedência da ação, igualmente no que se refere à alegação de candidaturas laranjas, razão pela qual seus clientes estão tranquilos e confiantes na Justiça Eleitoral.
Já o advogado Márcio Sousa, autor da denúncia à Procuradoria Regional Eleitoral em referência às candidatas Raíssa Bergamaschi Lopes e Sidnéia Catarina Tobias, disse ao Correio do Estado que, se as informações repassadas não tivessem fundamento, o procurador-regional Eleitoral Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves não teria feito à solicitação ao TRE-MS.
“Como o processo está em Segredo de Justiça, fico impossibilitado de passar mais informações devido ao risco de anulação processual, mas posso garantir que a denúncia está muito bem instruída com amparo na norma legis vigente, corroborando com jurisprudência do Tribunal Superior”, declarou, completando que o Podemos cometeu uma verdadeira afronta à legislação eleitoral e que o procurador-regional Eleitoral está amparado pela lei e robustez das provas.
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CRÉDITO: CORREIO DO ESTADO